"Cruzavam as ruas como se fossem poemas.
Ele ensinava-lhe a vida, a ciência dos minutos.
Ela ensinava-lhe o sonho, a matemática do que não existe.
Viravam os ombros para olhar a carne dos dias. Procuravam, em cada ombro dos outros, a certeza do ombro absoluto, o ombro insuportável de só ele tudo suportar. Procuravam em todos os ombros o ombro final.
E encontravam-no sempre."
"Longe, lá de longe
de onde toda a beleza do mundo se esconde
Mande para ontem
uma voz que se expanda e suspenda esse instante
Lá de longe
de onde toda a beleza do mundo se esconde
Mande para ontem
uma voz que se expanda e suspenda esse instante
Lá de longe
de onde toda a beleza do mundo se esconde
Cante para hoje."
Tribalistas - Longe, lá de longe
"Na noite de Lisboa só os morcegos não conseguem voar. Nesta electricidade, os pólos opostos provocam inesperados contactos e curto-circuitos. Os insectos, descontroladamente seduzidos, volteiam em torno das lâmpadas. E há peixes cegos seguindo o próprio desejo e os sentimentos mais exclusivos. Depois, «chegou ao fundo a falua dos beijos / Quem sair dela será o rei do mar», como escreveu o príncipe da noite de Lisboa, Mário Cesariny. Porque a noite elege os seus próprios reis e princesas. Assiste-se a permanentes actos de coroação. A noite dispõe de seus paramentos e códigos. Depois, esmorecida, vai abandonando os seus personagens. Nas portas dos bares, os barris vazios de cerveja. Os gatos que atravessam fugidiamente as praças. Sobe do Tejo e com pezinhos de lã, a luz do amanhecer. Recua a electricidade. O dia requisita a razão e os braços que envolviam um corpo amado. Nem tempo nos dá para agradecer os sonhos. Aumenta o trânsito e engarrafa na primeira esquina. Regressas às frases feitas a boca dormente pelo longo beijo da noite que se retirou para repousar. Voltará mais logo. E sempre. E, talvez nos traga uma lua enorme para compensar."
Manuel Hermínio Monteiro Noite, a falua dos beijos
Padrão dos Descobrimentos
Rotunda do Marquês de Pombal
Terreiro do Paço
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