"Na noite de Lisboa só os morcegos não conseguem voar. Nesta electricidade, os pólos opostos provocam inesperados contactos e curto-circuitos. Os insectos, descontroladamente seduzidos, volteiam em torno das lâmpadas. E há peixes cegos seguindo o próprio desejo e os sentimentos mais exclusivos. Depois, «chegou ao fundo a falua dos beijos / Quem sair dela será o rei do mar», como escreveu o príncipe da noite de Lisboa, Mário Cesariny. Porque a noite elege os seus próprios reis e princesas. Assiste-se a permanentes actos de coroação. A noite dispõe de seus paramentos e códigos. Depois, esmorecida, vai abandonando os seus personagens. Nas portas dos bares, os barris vazios de cerveja. Os gatos que atravessam fugidiamente as praças. Sobe do Tejo e com pezinhos de lã, a luz do amanhecer. Recua a electricidade. O dia requisita a razão e os braços que envolviam um corpo amado. Nem tempo nos dá para agradecer os sonhos. Aumenta o trânsito e engarrafa na primeira esquina. Regressas às frases feitas a boca dormente pelo longo beijo da noite que se retirou para repousar. Voltará mais logo. E sempre. E, talvez nos traga uma lua enorme para compensar."
Manuel Hermínio Monteiro Noite, a falua dos beijos
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